quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Entrevista com Júnior Rossi da banda Masher








Júnior Rossi ou Júnior Masher tem 46 anos, é baterista e vocalista da banda de grindcorenoise Masher. Trabalha como eletricista de manutenção em uma empresa de Amparo/SP onde também reside. É casado e tem um filho de 19 anos. Seu hobby atual, além de fazer e escutar barulho, é a fotografia, adora registrar animais e a natureza. A banda é como um filho para ele, faz parte de sua vida já faz um bom tempo. Procura usá-la como uma arma para desconstruir conceitos, regras e leis injustas através das letras e da violência de sua música, que está mais para anti-música.


Saudações grande Júnior Rossi, muitos anos de contato não é meu amigo? Primeiramente agradeço imensamente por aceitar participar desta entrevista e colaborar com as discussões propostas pelo Ocupa Noise Guerrilha Zine.

Júnior: Grande Wescley, boas lembranças das cartas e tape trades de um tempo que não voltará mais .... Quem tem que agradecer sou eu e o Masher por ceder espaço em seu trabalho para expormos nossas ideias. Desde já, desejo muito êxito e vida longa ao seu zine, e todos os seus projetos, barulhentos ou não, pessoais ou profissionais. Grande abraço.

Agradeço querido e desejo vida longa ao grande Masher. Bom, algo que penso ser interessante para começo de conversa, ou seja, pergunta que faço para todos os entrevistados aqui, como se deu seu primeiro contato com o underground D.I.Y. punk/metal e como ele afetou e afeta sua vida cotidiana?

Júnior: Bom, eu quase fui da geração Rock in Rio hehehe.... Tive meu primeiro contato com metal aos 12 anos em 1984 através de meu irmão, que era muito fã de Iron Maiden, como a gente dividia o quarto, eu acabei gostando também e ouvindo as mesmas coisas que ele ouvia, Iron Maiden, Ozzy, Metallica, Twisted Sisters e outras mais. Foi através dele também que conheci outras bandas que me desviaram do caminho, como Sepultura, Dorsal, Korzus, Olho Seco, RDP, Vulcano.... Na verdade, meu primo emprestou pra ele esses LPs para ver o que era metal de verdade heheheh, mas meu irmão estava em outra vibe, o negócio dele era heavy metal como as bandas que eu citei, mas por fim quem acabou gostando desses discos diferentes na época fui eu. Gostei muito do Dorsal, Sepultura e também Overdose, que era o Split com Sepultura. Dai para frente só foi piorando ahahahah. Entre 1987-1989 eu e um amigo estávamos tentando montar uma banda através de projetos como TORTURA INFERNAL e FUNERAL (pré Masher) e entre 1989 e 1990 a gente conseguiu finalmente dar vida ao Masher, que persiste até os dias atuais. Minha escolha por esse mundo afetou de maneira gigantesca minha vida, não consigo me enxergar como uma pessoa normal, caso não estivesse entrado para o mudo do metal. Isso tem me proporcionado grandes momentos e excelentes amizades no decorrer de todos esses anos, não me arrependo de ter feito essa escolha. Escolha essa que foi mais como um destino. E estamos ai, rumo a terceira idade com a audição quase que intacta! (risos).

Quase intacta mesmo, cada dia mais surdo e agressivo (risos). Hoje, com a facilidade de acesso à internet, com a difusão das redes sociais, qual a importância dos zines, webzines para o underground?

Júnior: A importância que sempre tiveram, levando informação para um público mais específico, para pessoas que de uma certa maneira já estão na mesma dimensão. Enquanto que a internet em si (facebook, youtube, instagram) levam informação a pessoas que não entendem o significado do underground, logo, não conseguem absorver o conteúdo. O lado bom é que hoje essas ferramentas também podem ser usadas para levar o conteúdo para as pessoas certas, exatamente como você e outros amigos estão fazendo, a divulgação para o público que tem sangue underground nas veias. Longa vida aos zines, em todas as suas formas!

Imprensa marginal escoando sempre (risos). Bem, agora gostaria que você falasse um pouco sobre a banda Masher. Faça uma pequena biografia destacando a importância da mesma para sua vida.
 
Júnior: Eu acabei respondendo um pouco sobre isso na segunda pergunta, e o que tenho a acrescentar é que eu dediquei minha vida pela banda, logo, ela agora é minha vida, pode estar certo que eu sempre estarei envolvido com ela. Foram muitas formações, decepções, como existe na maioria das bandas. Atualmente o que mantem a banda viva é o nosso amor pelo barulho, cada membro doa um pouco de si, mas sem aquela obrigatoriedade de aceitar tudo, a liberdade é algo fundamental, você sabe muito bem como é o esquema com banda underground, não ganhamos nada, muito pelo contrário, só perdemos! Essa é a realidade, e é assim com muitas outras bandas. Estamos nisso realmente pela vida e pelas amizades. Se não fosse assim a banda já teria acabado a anos. O Masher resiste desde 1989, quase 30 anos de barulho irritante, nunca fomos uma banda de bons músicos e bons instrumentos, sempre foi na base de coisas toscas, minha bateria foi um exemplo disso, até 2017 usava apenas caixinha, bumbo (que na verdade era um surdo), ximbal e um prato 20 polegadas para ataque e condução, isso era suficiente para mim, mas ao mesmo tempo me prejudicava, pois quando ia nos shows era uma batera normal, então eu sempre acabava me perdendo ou me machucando com a bateria normal. Até hoje eu uso ximbal do lado direito, não porque sou canhoto, mas porque achei mais fácil dessa forma, então quando chega nos shows tem que ficar mexendo em tudo, virando o ximbal, retirando as peças que não uso e que só me atrapalham rsrsrs. Vários amigos já passaram pela banda, uns com passagem rápida e outros com mais duração. Cada um deixou alguma marca, seja boa ou ruim. Contudo, a banda sobreviveu, hoje somos um trio, eu na bateria e vocal e os amigos Fábio (guitarra/vocal) e Giovani (baixo e vocal). Eu moro em amparo, o Fábio na cidade vizinha de Monte Alegre do Sul, e o Giovani na cidade de Socorro, praticamente vizinha daqui também. A gente se dá muito bem, temos muito em comum em nosso estilo de vida, caipiras do interior de SP ahahhaah. Isso ajuda muito, todas pessoas simples e com o mesmo objetivo, tocar para se divertir com os amigos e vomitar o nosso protesto contra as coisas que não achamos justas.




Vegetarianismo, fanzines, gigs, bandas, anarquismo, punk, poesia, existência etc. Gostaria que você discutisse um pouco sobre isso.

Júnior: Eu fui vegetariano por quase 15 anos, e a pouco mais de 9 voltei a comer algumas coisas como mortadela, bacon, salame, os embutidos. Foram 15 anos maravilhosos, mas com toda dificuldade para se manter fui perdendo a luta, correria do dia a dia. Ainda quero voltar a ser vegetariano, hoje em dia temos mais opções, inclusive industriais, é um estilo de vida que faz muito bem, e nos faz sentir em paz com os animais. Fanzines sempre estiveram presentes em minha vida, no começo eu fazia um chamado Power Masher juntamente com meu amigo Glauco (RIP). Mais tarde eu criei um mais voltado as bandas noise, crust, punk, grindcore chamado Save Our Noise. Lancei 5 edições ainda na era da datilografia. Também é algo que pretendo reativar a qualquer momento, inspirado por amigos que também voltaram a fazer zines em papel. Zines são muito importantes para o underground, torço para que cada dia mais outros zines voltem a ativa e continuem revolucionando a cena e inspirando outras pessoas. E as gigs hein? Apesar de ter passado por alguns perrengues a maioria das gigs com o Masher foram incríveis, sempre nos trazendo novas amizades e novas ideologias, infelizmente nos dias atuais não existe mais aquela energia contagiante, aquela cooperação e respeito entre as pessoas. E felizmente, ainda temos alguns fests que ainda resgatam esses bons tempos e nos faz sentir em uma festa familiar, com ótimas bandas e muito barulho. Sobre o anarquismo, embora nunca tenha pertencido a qualquer grupo, sempre fui simpatizante de muitas ideias, e apoiador de muitos projetos e bandas. Hoje vejo que o anarquismo perdeu muita força, pelo menos não tenho visto mais eventos e encontros como nos anos 90. Da mesma forma, não tenho visto muitos eventos punk como antes, e muitos dos que se rotulavam punks, se perderam pelo caminho, infelizmente, muitos não são levados a sério com o cú cheio de pinga e drogas, não creio que seja isso que muitos punks queriam. O punk não deveria ficar apenas nas canções e no visual. Ouve-se dizer que fulano era punk. Para mim não tem dessa de era, daí a importância de antes de se assumir ter a consciência de que é aquilo que você deseja para sua vida toda, de ser honesto consigo mesmo. Motivos pelos quais nunca me rotulei como punk ou anarquista. Não digo que você deve carregar a sua cruz pelo resto da vida, acho que todos têm o direito de mudar, mas acredito que uma decisão tem que ser tomada com consciência e sabedoria, e sobretudo paixão. Sou um admirador de poesias, em meus zines eu sempre abria espaço para amigos que enviavam suas poesias. Já para escrever, não levo jeito, apesar que em 1995, em um show nosso em Bragança Paulista uma garota que estava vendo o show comentou com um amigo que eu era o poeta dos anos 90! Kkkkkk. Nesse show nosso repertório era baseado na demo “The end of inequalities”, os sons eram bem curtos, e entre os sons eu comentava sobre as letras. Bons tempos de poeta (risos). E isso eu acho, nossa existência é uma eterna luta, eu gosto de fazer as coisas que me dão prazer, mas entendo que muitas vezes somos obrigados a fazer coisas que odiamos para existirmos. A existência as vezes tem um preço alto, mas quem quer existir tem que pagar esse preço.

Poeta sim, por que não? Amigo, sei que você lançou um livro falando sobre sua vida com a banda, não li o mesmo, ainda, porém sei que você escreveu algo sobre a importância que o underground teve em um período complicado da sua vida. Você poderia falar sobre isso?

Júnior: Sim, foram lançadas 3 edições do livro “Uma história barulhenta”, que fala sobre mim, e principalmente sobre o Masher, da sua trajetória na cena underground. Eu não sou escritor, nem tenho talento para isso. A inspiração para o livro veio de um presente que o amigo Ricardo Chakal me deu em 2013, se não me engano, o livro contava a história do Dorsal Atlântica, banda que curti desde a primeira vez que ouvi (LP “antes do fim”) e que me inspirou bastante! Em 3 dias eu terminei de ler o livro, e achei o máximo aquela história deles e aquele formato de livro, bem underground. Eu era um cara que gostava de escrever sobre minhas aventuras e de meus amigos e sobre shows que eu assistia. Sempre anotava alguma coisa em caderno com a intenção de escrever reviews e scene report para fanzines, coisa que nunca aconteceu, porque eu tinha vergonha de mandar para os zines. Tinha muitas anotações, mas chegou uma hora que desanimei e parei. Depois que li o livro do Dorsal eu fiquei inspirado para fazer um com a história do Masher, mas não tinha nenhuma referência, assim, para fazer, eu achava que precisava de alguma editora para lançar e tal. Em 2016 conheci um cara no youtube, dono de uma editora que me propôs a escrever um livro sobre meu personagem dos vídeos, eu até me empolguei com a ideia, mas claro não tinha história nenhuma para publicar hehehe imagina. Porém, na hora já me veio a ideia do livro do Masher, mantivemos um contato, e ele foi me passando algumas informações. Daí comecei a passar as histórias para o Word, conforme eu ia digitando as coisas, minha memória ia recuperando outras histórias, quando vi já tinha quase 200 páginas! Então, eu fiz a cotação lá com o amigo, mas ficava meio salgado o preço, tive que dar uma enxugada nas histórias para cerca de 150 páginas. Mesmo assim não alterou muito o valor. Tentei uma parceria com amigos para fazer 100 cópias, infelizmente não deu certo, era uma coisa meio nova na cena, ninguém queria arriscar. Eu entendo perfeitamente, por isso continuei procurando outra forma para fazer o livro, até que encontrei uma gráfica que fazia em menores quantidades e com um valor acessível para mim, então resolvi arriscar, não foi possível fazer um livro gratuito como eu queria para presentear os amigos, mas acabei chegando num valor razoável, totalmente sem fins lucrativos, praticamente preço de custo. Até a terceira edição foram vendidos a 15 reais + 10 de correio, praticamente preço de zines. Eu mandei fazer 64 cópias, quando peguei eu me emocionei muito, ficou muito bonito e do jeito que eu queria, até mais legal inclusive. Daí veio a pergunta: e agora? O que vou fazer com essas coisas? Quem vai querer comprar um livro com a história do Masher, uma banda bunda mole que nem tocar direito sabe, não tem uma gravação que presta ahahahah. Mas para minha surpresa, em 30 dias já não tinha mais cópias! Fiquei muito emocionado e feliz com o resultado, eu consegui empatar a grana, e como a procura pelo livro continuou, resolvi fazer uma segunda edição com mais 50 cópias.  Graças ao apoio e divulgação dos amigos, mais pessoas interessadas apareceram, então fiz mais 40 cópias. Já não tinha mais planos para outra edição, mas como ainda existe procura, resolvi que vou fazer mais uma edição, e essa sim será a última, dessa vez pretendo incluir um DVD com um documentário baseado nas histórias do livro junto, já comecei a filmar os depoimentos de amigos e ex-integrantes. Ainda falta muita coisa, mas acredito que vai dar tudo certo, e até o final do ano estará concluído, em comemoração aos nossos 30 anos de barulho.


Já separa uma cópia para mim, por favor (risos). Além da banda, você está envolvido com outros projetos ligados ao underground? Fale um pouco como é seu cotidiano.

Júnior: Não amigo, no momento nenhum projeto além da banda. Mas como disse, pretendo reativar meu selo DESTROY MUSIC NOW e meu zine SAVE OUR NOISE. Só não sei quando heheheh. Meu cotidiano é bem sedentário, além do trabalho faço alguns afazeres domésticos para ajudar minha esposa. Cuido de meus animais (uma gata e um cão) e quando sobra um tempinho faço algum vídeo idiota para meu canal do youtube. Gosto muito de edição de vídeos e fotos e também gosto muito de fazer silkscreen, de vez em quando faço algum novo visual para a banda. Exercícios e caminhada que é bom, nada ahahhaah... Aliás, taí uma coisa que eu preciso achar tempo para fazer, não sou mais um adolescente, precisamos cuidar da saúde!

Underground punk/metal, moda ou estilo de vida?

Júnior: Sempre estilo de vida! Moda vem e vai, mas o estilo de vida fica.

O que pode o punk?

Júnior: O punk poderia mudar o mundo, poderia transformar pessoas e suas vidas, poderia revolucionar o cotidiano.... Poderia sim. 

O que você pensa sobre a importância das vivências undergrounds, D.I.Y punk/metal, como afetação de si e do outro cotidianamente em termos revolucionários?

Júnior: Acho que acima de tudo, a liberdade, mesmo que ela pareça utópica, o sentimento de liberdade faz uma revolução na vida de qualquer um, sentimento esse que você encontra somente nessas vivências do mundo underground. Nem todos podem sentir isso, se você estiver no meio underground e não se sentir livre, você definitivamente não esta no verdadeiro underground ou está cercado por pessoas idiotas que se dizem underground e de fato nunca foram. As vivências mudam suas perspectivas sobre tudo, inclusive sobre pessoas.

O que ficou do punk?

Júnior: Infelizmente só o visual.

Bom, última pergunta, clichê do zine. Você ficou sabendo que um imenso meteoro vai cair no planeta terra e destruir tudo, diga os três últimos plays que você ouviria?

Júnior: Vixe cara, depois de uma notícia dessa eu não teria nem cabeça para pensar nos discos ahahahah, ia sair correndo para debaixo da cama como fazia minha cachorra!  Mas, supondo-se que o impacto estivesse programado e sobrasse um tempinho, eu iria escutar o Aces High do Iron Maiden, você sabe, o primeiro disco a gente nunca esquece; o Antes do Fim do Dorsal Atlântica (bem convidativo hein ahahah) e o Tente Mudar o Amanhã do Cólera.  Se sobrasse mais tempo ainda, o Schizophrenia do Sepultura e o Crucificados pelo sistema do RDP. Um abração aí para você meu amigo, muito obrigado pela entrevista, muito êxito com seu zine e seus projetos!

kkkkkkk, ótima resposta Júnior. 






Facebook.com/mashergrindnoise

Youtube.com/destroymusicnow


Obs: Imagens cedidas e autorizadas pelo entrevistado. 

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Entrevista com Cassiano da banda Industrial Holocaust







Saudações Cassiano! Como você anda meu amigo? Primeiramente gostaria de agradecer pela participação do Industrial Holocaust no Ocupa Noise Guerrilha Zine e obrigado por dedicar seu precioso tempo para responder essa entrevista.

Cassiano: "Saudações meu amigo! Por aqui tudo bem! Na luta diária de sempre! Eu que agradeço a oportunidade desta troca de ideias. Os Zines tem um papel fundamental no underground e sempre fizemos questão de apoiá-los".

Por favor, fale um pouco sobre a trajetória e as influências da banda. Quantos anos de resistência no underground brasileiro?

Cassiano: "Estamos na resistência desde 1989, na luta contra o sistema.  Começamos como Morbideath que seguia uma linha mais Deathnoise. Era eu guitarra, Riva bateria e Jamil baixo e vocal. No final de 1991 nós formamos o Industrial Holocaust, comigo na guitarra , Riva na bateria-vocal, Edu no baixo e Jamil nos vocais,  já fazendo um Noisecore. Esta é a formação que gravou o Split 7 ep com os irmãos do Noise. Nossa formação atual é Riva bateria-vocal, Sergião guitarra-vocal e eu baixo-vocal. Temos muitas influências, algumas são bem visíveis: Fear of God, Sound Pollution, 7M.O.N., Tumor, Discharge, Doom, Brigada do Ódio, Sore Throat, E.N.T. Olho Seco, Napalm Death(old) etc".

Só influência foda [risos]. Como foi seu primeiro contato com o underground punk/metal?

Cassiano: "Foi através de gigs, zines, correspondências e trocas de demo-tapes". 



Na sua opinião, o noisecore teve suas origens aliadas ao punk/hardcore ou ao metal extremo?

Cassiano: "Teve uma influência dos dois sem dúvida. Mas, com o tempo o Hardcore/punk se sobressaiu e isso é bem visível e auditivo. É só acompanhar a trajetória de várias bandas de barulho para sacar isso de forma explícita".

Concordo com você, acho que o noisecore foi atravessado pelo punk de uma forma bem diferenciada do metal e foi o punk que mais sobressaiu. Eu diria que o noisecore foi o que ficou e/ou restou do extremo do punk. Amigo, qual seria sua reflexão sobre o cenário barulhento que se desenvolveu, fortemente, nos anos 1990 e a cena atual? Nos anos noventa tivemos uma movimentação bem atuante de punks, noisecores, bangers, libertários trabalhando juntos em organizações de eventos, produções de zines entre outras ações.

Cassiano: "Ah era outro movimento, isso não há duvida meu amigo. Nos anos 90 existia uma preocupação real com a luta, contra o sistema e realmente havia um radicalismo consciente. Não queríamos parasitas no movimento. Não tínhamos preocupação com materiais como Lps, Cds ou camisetas (um ou outro cara tinha isso). A maioria tinha gravação em tapes e camisetas pintadas a mão. Tinha um real espirito anti-mercenários e anti-lucro. As bandas faziam questão de ser undergrounds. Não que hoje não exista real na cena, mas, a verdade é que hoje há muitos colecionadores de materiais e um proselitismo aliado a um egocentrismo doentio e junto um elitismo descarado onde não se tem nem mais vergonha de se assumir.  O que segura o movimento são os reais caras e bandas que acreditam nos antigos ideais. O bacana é que tem muito cara novo e bandas novas que praticam isso, pois ser velho na cena não quer dizer nada. O que não falta em qualquer cena é hipócrita disfarçado de sábio. Além do mais, só quem viveu a cena noisecore dos anos 90 sabe bem do que estou falando".

Sim, consumismo total, vinil então nem se fala, virou item de colecionador com preços exorbitantes. Não pagar e boicotar distros, penso ser uma forma de resistência fundamental. O que você pensa sobre o “radicalismo coerente” muito comum nos anos de 1990 e defendido por alguns no cenário noisecore hoje?

Cassiano: "Acredito num radicalismo consciente sim. Acho que ele é uma forma de lutar e manter muito do que acreditamos, mas isto não deve ser confundido com um elitismo muito comum nos dias de hoje e que não tem nada a ver com radicalismo. Acredito no radicalismo que não tolera fascistas e nem homofóbicos, que não permite misóginos e machistas, onde haja o combate ao sexismo e mercenários da cena, um radicalismo realmente consciente".

O que você poderia problematizar sobre os processos de resistências políticas revolucionárias do underground punk/metal no interior de nossa sociedade? Você acredita que o mesmo poderia ou pode ser pensado como uma arma de guerra cotidiana contra o microfascismo e o Estado autoritário?

Cassiano: "Sim, sem dúvida alguma pode ser usado quando colocado de forma a contrapor o sistema capitalista e de luta por igualitarismo. O underground punk\metal sempre foi subversivo e uma das primeiras coisas que vemos é na estética, ou seja, a primeira coisa que se nota é a roupa. Saindo do aspecto do visual encontramos várias práticas contrárias ao sistema como as gigs, os coletivos, os zines, a correspondência e hoje a internet também. Tudo isto citado são formas de lutas e resistências e se torna revolucionária quando há consciência de classe. Isso é tão real que estamos aqui sobrevivendo na cena, pois alguém antes de nós também estava na luta e depois de nós outros virão.  É claro que o movimento não acaba em si mesmo. Ele é uma fagulha contra o capitalismo, ele vai se inserir dentro de outros movimentos de luta por uma revolução e construção de uma sociedade sem classes. Sendo assim, ele é revolucionário se colocado na práxis do dia a dia, e é claro que para isso também temos que combater o crescente aumento de reacionários em todas as cenas, algo que por si só já é uma contradição, mais que infelizmente temos visto e muito isso nos dias atuais".

Alguns dias atrás estava lendo uma reportagem sobre cibercultura punk, na Revista Cult, e me deparei com uma fala de um professor, André Lemos, que me causou certo estranhamento. O mesmo afirmava que o punk não existe mais enquanto movimento. Qual sua reflexão sobre tal afirmativa? Gosto de pensar que a morte é uma estratégia de luta, de guerra do próprio punk contra os sucessivos jogos de capturas de diferentes forças, a exemplo da mídia, da indústria da moda, da cultura etc. Acho que ele não fez uma reflexão sobre o que escoou, escapou das origens do movimento nos anos 70, ele apenas olha para as representações, para as caricaturas do punk enquanto movimento.

Cassiano: "Sim, tudo se transforma e dentro desta dialética há sempre uma perspectiva diferente da anterior. Então, este determinismo não pode ser aplicado ao movimento Punk/Metal, já que muito de suas práticas e ideologias se mantém viva e sinceramente continuará assim por muito tempo. Sofrerá apenas estas inovações que é inerente a nossa vontade e característico de cada época".

Gostaria que você comentasse a respeito das seguintes frases: “você está nisto pela vida ou só por hoje?” “Você está nisto pela vida ou só por pose?” (frases presente no manifesto Grindcore escrito pelo Marcelo R. Batista da Extreme Noise Discos).

Cassiano: "Ah, é algo tão verdadeiro hoje, como quando foi escrita nos anos 90. A diferença como se pode observar, é que a cena é outra e tem quem viva isso de verdade sendo novo ou velho. Existe quem se acomodou na cena e vive apenas do passado. Independente de não ser aquele underground que vivemos, ele sempre existirá e terá pessoas que merecem apoio e incentivo".

Justamente, não acho que cair na nostalgia do retorno seja algo potente, existe muita coisa legal acontecendo. Bem, o noisecore, muitas vezes, por falta de conhecimento do movimento é associado somente a um "barulho sem sentido". Ora, sabemos que não é por aí, porém gostaria que você estendesse um pouco com relação a isso, já que você está envolvido com o mesmo já faz um bom tempo.

Cassiano: "Sim é verdade. Infelizmente no mundo a grande maioria esta associada a for fun e outras besteiras, mais há exceções. Mas o Noisecore no Brasil é uma cena a parte. É algo impar e é só vermos o comprometimento das bandas e de toda cena em geral para comprovarmos isso. Aqui sempre tivemos uma postura crítica e antissistema e a cena era politizada com muitas bandas anarquistas e niilistas.  Esta cena teve um impacto tão grande e se diferenciou de tal forma que até hoje são referências e influências para todos".

Moda, diversão ou estética da existência?

Cassiano: "No meu caso eu vivo o underground intensamente. Vivo o barulho e coloco isso no meu dia a dia. Não só na aparência, mas também na vida em si. Isso me influenciou de tal forma que transformou totalmente meu estilo de vida e meu modo de pensar".

Marx ou Bakunin? [risos].

Cassiano: "[Risos]. Os dois, pois ambos têm sua importância na luta anticapitalista". 




Web zines, zines de papel, qual sua importância para o underground?

Cassiano: "Sem dúvida todos os mecanismos de divulgação do underground são uma fonte de resistência e isso merece todo nosso apoio, principalmente nos dias de hoje onde tudo é tão descartável".

Além da banda você está envolvido com outros projetos ligados ao underground?

Cassiano: "Sim sempre participamos de atividades fora da banda. Já fizemos zine, éramos do núcleo Anarco-Noisecore, e atualmente somos do Coletivo Libertário de São Carlos que organiza o São Caos Fest".

Última pergunta, clichê do zine. Você ficou sabendo que um imenso meteoro vai cair no planeta terra e destruir tudo, diga os três últimos plays que você ouviria?

Cassiano: "Kkkkkkk pergunta difícil meu amigo! Vou colocar quatro (risos). Acho que:
Discharge -Hear nothing ,see nothing , say nothing
Voivod- Killing technology
Industrial Holocaust- The holocaust continues...
Sore Throat - Unhindered By Talent".




Ouça aqui:






OBS: Imagens cedidas e autorizadas pelo entrevistado.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Expurgo - Deforming Europe Tour / 2018







Abaixo seguem algumas fotos e um breve, porém potente e empolgante relato da tour europeia da banda Expurgo. O mesmo foi escrito pelo vocalista da banda Egon Dias. Valeu pelo apoio meu amigo e vida longa ao matador Expurgo.  



Sobre a Deforming Europe Tour / 2018 do Expurgo, pra nós foi algo muito marcante e especial. Foi nossa primeira vez fora do Brasil, estávamos nos preparando pra caralho pra fazer esse rolé acontecer e tudo deu muito certo. Foram 8 shows e um giro numa porrada de lugar foda, que fechou com a nossa participação no Obscene Extreme Festival, evento de uma puta relevância para o som extremo, em especial o grindcore. Tocamos em squats e casas de eventos autogestionadas como um motoclube, tudo muito foda! Começamos em Berlim, no KOPI: ali já foi um choque de realidade - um squat daquele tamanho, com toda a estética da subversão e a dimensão da autogestão que exalava por todos os buracos, frestas e portas do local. Todo mundo bastante atencioso, tocamos no palco maior, o que foi de fuder, junto com o pessoal do Lobotomia. Passamos depois para Halle, num outro squat podrasso, numa pegada bem faça você mesmo para tudo, do som ao rango. Giant, o anfitrião, se tornou um bom amigo. Demos uns rolês pela cidade de Berlim e Halle, e ficamos de cara com toda a realidade do submundo alemão. Daí, fomos pra Hannover. Punk ali não é brincadeira: chaos day literalmente, a flor da pele, conforme é o movimento da cidade. Cenário industrial, vários punks que vivem a subversão e o caos como essência existencial, sem firulas. Uma ocupação numa casa gigante, cachorros pra todos os lados, e o local da gig debaixo de um viaduto de trem, num cenário total Madmax. Foi um dos eventos mais loucos que tocamos, bebidas extremas, pessoas extremas; instigante e ao mesmo tempo assustador. Na Bélgica, fomos pra um motoclube, galera bebendo pra caralho, um som nervoso e pra lá de barulhento rolando, pessoal ponta fina pra caralho. Até a mãe do brother da organização estava na correria do esquema, foi muito foda. De volta a Alemanha, em Tubinga, outro squat, no molde youth center, de fuder tudo tb. Localização central, ocupação de enfrentamento estético e bastante politizado, com as pessoas que gerem o local amplamente questionadoras e críticas. Foda pra caralho tb. Além do rango, que foi muito foda! Chegando em Praga, houve meio que um misto de emoções: a identificação com a cena grinder do local foi imediata. Emoções em todos se afloraram, só banda foda tocando e nós ali no meio, experienciando aquilo tudo. Grindcore na alma, as pessoas exalam metranca em Praga. E o melhor, a cerveja dos caras, de própria produção, espetacular. Indo para o extremo da tour, chegamos em Cracóvia, na Polônia. Presença de vários HC´s no local, além de punks e uns headbangers tb. O local era extremamente propício para o som extremo: apertado, quente pra caralho e com as pessoas agitando de forma frenética. Animal. Dormimos num bairro de um antigo gueto judeu, que nos remeteu automaticamente aos cenários da segunda guerra, com prédios antigos e ruas extremamente escuras. De volta a República Tcheca, nos dirigimos para Trutnov, para a edição de 20 anos do Obscene Extreme Festival. Realização de um sonho estar ali. Tudo exalava o grind, da comida ao lixo, das pessoas ao som. Não tem como descrever, só indo ao local e sacando a vibe de tudo aquilo. Vimos várias bandas fudidas, trocamos muitas ideias com todos os tipos de pessoas que estavam ali por um único propósito: celebrar a música extrema produzida em vários locais do mundo como Brasil, México, Japão, Suécia, Indonésia, Inglaterra, República Thceca, Espanha... valeu cada hematoma, cada noite mal dormida, cada arregaço que passamos. Experiência que jamais vamos esquecer.
























Crédito das fotos: Urban Sky e Bruno Peixoto

Exprugo:

https://www.facebook.com/ExpurgoGrind/