quarta-feira, 4 de março de 2020

Entrevista com Luis Mosh

Luís Mosh tem 48 anos, conhecido no underground por suas atividades com o extinto zine Abdução Extrema, seu canal Brutal Alien Vídeos no youtube e seu selo Brutal Alien Records. Também organiza o Brutal Alien Benefit Fest...







Saudações grande amigo Luis Mosh!!! Agradeço imensamente por participar desta entrevista e colaborar com as discussões propostas pelo Ocupa Noise Guerrilha Zine. 

Salve Wescley! Eu que o agradeço pelo interesse.

Bem, para começo de conversa, uma pergunta que faço para todos os entrevistados aqui: como e quando foi seu primeiro contato com o underground D.I.Y. punk/metal?

Que eu me lembre, comecei a gostar de Rock em 1982, influenciado pelas propagandas do cigarro Hollywood que passavam na TV e que tinham algumas músicas legais como “Eye of the Tiger” do Survivor, “Play the Game Tonight” do Kansas e a minha favorita “Breaking All The Rules” de Peter Frampton, essa definitivamente me abriu as portas para o mundo do Rock! Depois disso, em 1983, um colega me emprestou uma fita k7 original de “Creatures of the Night” do Kiss, que serviu para solidificar meus primeiros passos dentro desse universo. Aos poucos fui conhecendo e começando a gravar fitas k7 com AC/DC, Scorpions, Nazareth, Quiet Riot, Iron Maiden... Em 1984 minha mãe me deu de presente o meu primeiro disco de Rock: “The Works” do Queen, depois ganhei “Metal Health” do Quiet Riot. Finalmente em 1985 tive meu primeiro contato com o Underground, quando um colega mais velho me mostrou uns discos: “Seven Churches” do Possessed e “Hell Awaits” do Slayer... Cara, quando ouvi o som “Pentagram” com aquela fudida introdução eu pirei! O mesmo com aqueles riffs iniciais de “Hell Awaits”... que peso. Logo conheci “Sentence of Death” do Destruction, “In the Sign of Evil” do Sodom, “Endless Pain” do Kreator, “Power from Hell” do Onslaught e depois disso as coisas foram só piorando! Mas foi em 1987 que comecei a ter meus primeiros contatos com o Hardcore/Punk com bandas como Lärm, Heresy, Varukers, Pandemonium, Wretched e Napalm Death!  

Sentence of Death”, sem dúvida é um álbum fantástico e transformador! Qual a importância do underground punk/metal para sua vida? 

Considerando meu envolvimento no cenário underground desde os 13 anos (e isso era exatamente metade dos anos 80) até os dias de hoje, posso afirmar que contribuiu e muito na minha formação, formação do meu caráter, da minha personalidade, valores e questionamentos.

Underground é vida!!! Acho importante problematizar como ele afeta diferentemente a vida das pessoas. Sendo assim, o que pode o punk/metal como resistência diária?

Quando se fala em resistência diária, imagino que seja resistir e combater tudo aquilo que nos aflige ou tudo aquilo que somos contra, e a lista é longa: discriminação racial, homofobia, feminicídio, fascismo, nazismo e tantos outros ismos, além do Estado, das taxas abusivas impostas pelo Estado, etc. Sinceramente não acredito que o Metal / Punk possa muita coisa como resistência diária, pois tudo o que citei ainda existe e dificilmente algum dia irá deixar de existir, infelizmente. Somos uma minoria e dentro dessa minoria nem todos fazem algo de efetivo para combater e resistir a alguma coisa, muita gente aí só de mimimi nas redes sociais, causando e querendo aparecer, e muitas vezes acabam se enquadrando justamente naquilo que dizem combater. Portanto, efetivamente falando e até onde sei, pode pouca coisa ou quase nada. Me diga você alguma mudança, alguma conquista relevante obtida por essa resistência diária.  

Depende, gosto muito de pensar na sua potência micropolítica de transformação. Para mim ele é uma arma, melhor, uma ferramenta de combate, de luta cotidiana, de resistência contra as subjetividades impostas. Contra a dominação, contra o controle diário macro e micro. Você mesmo destacou muito bem: “imagino que seja resistir e combater tudo aquilo que nos aflige ou tudo aquilo que somos contra, e a lista é longa: discriminação racial, homofobia, feminicídio, fascismo, nazismo e tantos outros ismos [...]”. Acho que ainda estamos muito presos no que se refere às grandes mudanças, às grandes revoluções, às receitas, às formas. Underground pode ser problematizado como uma estética da resistência cotidiana. Bom, seguindo com mais potencialidades, gostaria que você falasse um pouco sobre vegetarianismo, veganismo, fanzines, gigs, bandas.

vegetarianismo/veganismo: eu acho que documentários como Terráqueos (2005), deveriam ser exibidos em todo o mundo em rede nacional todos os dias da semana, para que houvesse uma comoção mundial e quem sabe, conseguisse mudar a mentalidade de muita gente. Quando assisti esse documentário, me senti muito mal, me senti um verdadeiro lixo. Tentei por um tempo me adaptar ao vegetarianismo, mas foi impossível. Infelizmente ainda faço parte de toda essa crueldade. Fanzines/gigs/bandas: já fiz fanzines, comprei fanzines, troquei fanzines, vou em gigs, já organizei gigs, já toquei em gigs e ainda filmo gigs... enfim, para mim foram e ainda são experiências que me dão enorme satisfação.





Earthlings é bastante comovente, todo carnívoro deveria assistir, assim como a “Carne é Fraca” e muitos outros. Ainda tratando sobre fanzines, O Abdução Extrema Zine foi, e continua sendo, uma das melhores publicações independentes já feitas no underground, na minha opinião, claro. Ano passado você chegou a publicar uma edição curiosa, debatendo sobre a violência sofrida pelos professores nos espaços escolares. Basicamente você entrevistou professores ligados à cena Underground punk/metal. Quais foram suas motivações para realizar esse trabalho?

Essa edição que entrevistei professores foi a n.º 09, foi uma grande satisfação poder ter feito um trabalho como aquele! Infelizmente por questões financeiras não saiu versão impressa, somente na internet, mas ele está guardadinho nos meus arquivos e quem sabe ainda este ano eu consiga fazer versões impressas! Eu tenho muito respeito e admiração a esses profissionais. Desde minha época de escola sempre procurei respeitar os professores, minha mãe me ensinou isso e eu ensinei isso ao meu filho! É inadmissível o que vem acontecendo de uns anos pra cá, toda essa violência, toda essa humilhação sofrida por eles! Fico estarrecido quando vejo vídeos desses marmanjos batendo em algum professor ou professora... Infelizmente estamos vivendo nossa pior época, essa juventude de hoje não sabe o que é respeitar o próximo.

É algo bastante complexo e com diferentes pontos de vista, pois os problemas são muitos e extrapola o espaço da educação formal e da família. Lógico que essa violência da qual você fala faz parte da realidade de muitos professores nas nossas salas de aula, infelizmente. Porém, quem produz todo esse ímpeto? Que violências? Quais os fatores sociais, históricos, culturais, geográficos que influenciam? É uma questão política. Portanto, educação é sempre um desafio. Estamos falando de subjetividades, no plural. Veja, passa ano, sai ano, por que o professor é tão desvalorizado, pensando aqui no Brasil? Hoje, por exemplo, vemos essa forte polarização que produz o professor como um “doutrinador”, um “fanático”, um “esquerdopata”, um “preguiçoso” etc. Ora, de forma representativa, a educação pode servir como produtora de diferentes sujeitos. Pode ser, inclusive usada como espaço de dominação e legitimação da violência nas suas diversas formas. Acredito também, que ela pode ser pensada como potência revolucionária e transformadora de si e do outro. Educação é trincheira, espaço de luta, de confronto. Dando continuidade, algo que sempre me intrigou no underground foi a importância exagerada que muitos dão com relação à movimentação das bandas, das gigs e dos lançamentos. As velhas panelinhas, quase exclusivamente focada nas bandas. Definitivamente a produção independente não se resume a isso. Temos uma significante criação de zines, livros e filmes com diferentes temas. Existem muitas pessoas tentando mover algo diferenciado. Na sua opinião, como podemos avançar nesse sentido?  

Sempre tive a mesma percepção, mas querendo ou não, tudo gira em torno da música. Eu particularmente sempre procurei abrir espaço para selos e zines nos meu zines, sempre fiz entrevistas com selos e zines! Acho que a melhor forma de avançar nesse sentido, é justamente essa, abrir espaço! Parabéns e obrigado a você por estar colaborando com esse avanço.

Eu que agradeço pelo apoio e parceria! Além do Abdução Extrema Zine, gostaria que você falasse também sobre seu trabalho com a Brutal Alien Videos. Eu amo vídeos!!! Adoro assistir, produzir etc. Gosto, principalmente dos vídeos caseiros, amadores com aquelas imagens desgastadas, desbotadas. Qual era o seu desejo quando você começou? Como foi a transição do VHS para o digital?

Gostei muito de vídeo! Antigamente era muito difícil você conseguir visual das bandas, então nem fazia ideia de como eram! Vez ou outra aparecia alguém com uma foto, ou xerox ou zine com alguns visuais, e logo me despertou a curiosidade de não somente ouvir, mas ver essas bandas. Foi aí que no início dos anos 90 comecei a me interessar em vídeos, comecei a ir atrás e fazer meu acervo! Depois veio a vontade de produzir meus próprios vídeos, comecei a filmar gigs em setembro de 1996 e continuo filmando ainda! Hoje, com a tecnologia digital, consigo fazer umas produções caseiras bem mais caprichadas que antigamente.  


Nos seus zines, principalmente nos mais antigos, o tema ufologia era algo frequente. Você ainda pesquisa sobre esses assuntos, sobre a vida extraterrestre?

Eu sempre fui interessado no assunto, mas não pesquiso mais sobre isso.



Ainda tenho bastante interesse! Bom, última pergunta, clichê do zine. Você ficou sabendo que um imenso meteoro vai cair no planeta terra e destruir tudo, diga os três últimos plays que você ouviria? 

Flexy EP “Never Healed” do Heresy, EP “Nothing is Hard in this World…” do Lärm e lado B do “Scum”, Napalm Death.


OBS: Todas as imagens foram cedidas e autorizadas pelo entrevistado. As falas foram mantidas na íntegra para não serem descaracterizadas.