quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Entrevista com Welligton, baixista e vocalista da banda Remiso




Wellington Tavares nasceu na cidade de São João del-Rei/MG, tem 35 anos e foi membro de uma das poucas bandas (talvez a única) banda de punk/hardcore de São João (Agravantes, formada por volta de 2004). Descobriu através das amizades e contatos uma nova realidade dentro do punk e uma forma diferenciada de se expressar. Como muitas das pessoas que se envolveram com o punk, já escreveu um zine. Atualmente vive com sua parceira sueca em Malmö, na Suécia, trabalha de faxineiro, permanece ativo na banda de metal/punk Remiso e tem projetos e sonhos intermináveis.

Saudações querido! Como estão as coisas nesta terra bela e fria? Bem, para começo de conversa fale um pouco sobre a banda, início, materiais lançados, atividades etc?




"Oi meu camarada! Deixa eu agradecer primeiro pelo espaço e por se interessar pelas pessoas desses undergrounds da vida, [risos]. Aqui segue numa batida só, e que às vezes dá pra sustentar suave e às vezes arregaça com a gente. Muito trampo e mais responsabilidades assumidas do que o corpo e a mente aguenta (não que isso seja muito na realidade). Mas parece que a vida é assim mesmo, independente de onde você estiver né? Trampo é chato mesmo [risos]. Bom, o Remiso é uma banda interessante, observando pelo lado de fora, pois é uma banda que faz um som entre o crossover e o metalpunk. Que tem letras hardcore/punk, porém com um tom um pouco mais subjetivo e obscuro. Inclusive, letras com tom mais cooperativo, pro-amor, anti-ego, e tendências claramente libertárias. Tudo bem direto e cru. Sofre influências do punk brasileiro dos anos de 1980 e do Thrash Metal old school. Saímos com uma pré-demo, em cassete, onde a banda chamava-se Hemorragiah, foram 10 cópias apenas [risos]. Temos uma outra demo também em cassete, com melhor gravação e dois covers que no caso foram escolhidos devido ao fato de serem canções que todos os membros conhecem e coincidem com o gosto musical. E agora um LP split com os brothers do Lautsturmer. O próximo lançamento será um split tape gravado ao vivo com a banda Anhedoni e possivelmente um 4 way split com bandas do Brasil. A meta final seria um LP completo! Esse sim seria o ápice dessa bagaça [risos]".

Diga aí, como é a experiência no que se refere à formação da banda, dois latinos e um sueco, não é isso? Como se deu o encontro entre vocês?

"Sim! Eu como sempre, gosto e quero estar e tocar com praticamente todo mundo que eu conheço (pessoas que eu gosto). Então, nas chapações eu chamo todos para tocar. O Klas (batera nosso) esteve em São João del Rei, e numa dessas chapações nós “combinamos” de tocar um dia. Acabou que fui realmente viver na Suécia e depois de um tempo por lá, durante alguns anos montamos um projeto chamado Alegria (RIP). Logo em seguida, eu conheci o Patricio (Pato guitarrista) que tinha acabado de chegar do Chile. Eu chamei o Klas e disse que a banda estava pronta. O Pato queria tocar, porém não sabia que eu e Klas éramos músicos tão toscos, pelo menos pro standard do metal [risos]. Mas ao se deparar com um cenário punk, autônomo e bem organizado ele se apegou a banda. A cena oferecia bandas muito boas e equipamentos de qualidade. Fizemos shows no país todo, com as passagens e estadia ajeitadas pelos coletivos e em ambientes totalmente D.I.Y e muito politizados. Essas experiências nos ensinaram muito. A cena punk acabou até mesmo conectando posteriormente os membros que formariam a banda de trash Maligner que Patrício veio a formar depois, e que atende muito mais as expectativas musicais dele".

Comente sobre seu primeiro contato com o underground punk.   

"Foi através de trocas de sons com o Cabelo e da sua amizade e do compartilhamento da vida e das frustrações que esse modelo de sociedade nos submete. Muita busca por uma liberdade a qual não sabíamos realmente o que era. Encontrávamos isso na música, nas chapações e nos rolês que fazíamos. O skate estava muito presente no nosso cotidiano. Claro que havia muito mais gente que passava sons para nós, até mesmo chegaram coisas vindas de você que passava pro Fabinho e que passava para gente. Chegavam de você antes mesmo da gente se conhecer. Logo quando formamos banda e começamos a tocar, aí sim, tivemos o contato com o underground punk. Fomos a Lafaiette, Juiz de Fora, Leopoldina, mas foi em Divinópolis onde encontramos a cena mais incrível e que mais me chamou a atenção em vários aspectos. Acho que foi a partir desse momento que entramos no underground punk".

Poxa, grande Fabinho companheiro dos rolês e trocas de sons. Sempre ficávamos conversando na porta da casa dele sobre bandas, discos etc., muitas saudades [risos]. Me corrija se eu estiver errado, penso que a Suécia foi ou é um dos países escandinavos que mais abrigou imigrantes durante a “onda” migratória na Europa, e sempre teve uma forte ligação humanitária de acolhimento de imigrantes, não é? Por outro lado, existe hoje um forte crescimento da extrema-direita e do supremacismo branco neonazista. Qual sua opinião sobre isso? Como é ser um imigrante latino, punk na Suécia?




"Sim! A Suécia segue sendo um dos países europeus que recebe mais imigrantes. Há muita gente querendo fechar as portas, mas também há muita resistência. Bom, eu estive frente a frente com os nazis supremacistas somente em manifestações. O que eu quero dizer com isso e que a resistência antifascista em manifestações é muito maior que os nazis em número, e essa segurança diminui a sensação de que eles são perigosos. Você mesmo esteve aqui e provavelmente se lembra da manifestação que fomos acompanhar. O problema real não está nas manifestações, 
e nos nazis skinse  sim nos cidadãos comuns que estão se tornando cada vez mais preconceituosos e votando em partidos racistas e xenófobos, que fingem não ser extremos em nenhum aspecto. Estão mascarando o racismo para que ele seja aceitável e o trabalhador está comprando essa imagem. E eu como sou faxineiro, que está no rodapé das classes de trabalho e ainda imigrante com cara de árabe que segue sendo um dos grupos mais discriminados devido a propaganda anti-muçulmana. Sinto realmente em algumas pessoas a discriminação e o racismo cotidianamente. Muitas vezes me entristeço, mas recarrego as energias com as quebradeiras das gigs e a companhia da minha parceira e dos meus amigos".

Sim, me lembro desta manifestação, estava muito frio [risos]. Também recordo que o número de nazis presente era ridículo se comparado aos atifascistas. Como vivências diárias, o que você acha que podemos experimentar com o underground punk?

"Um estado de espirito onde você pode ser esquisito e ser aceito assim mesmo. Uma forma de descansar o vocabulário da linguagem social e formal. Uma decisão de que muitos valores moralistas devem ser derrubados e onde o sonho de reconstruir com amor e liberdade estão ebulindo. Um desafio pra entender que você é sua própria e única polícia. Onde se cultiva as vontades de acabar com o abuso e as discriminações. Onde você pode voltar a ser criança e fingir que não vê nada a sua volta. É claro que existe a competição, inveja, fofoca e diversas outras merdas no underground também, porém, pra mim em um nível muito mais fácil de lidar".

Em termos representativos eu diria que vocês fazem um rápido e bem executado crossover. Sempre que escuto Remiso vejo muitas influências de Ratos de Porão (Descanse em Paz, Anarkophobia), claro que posso estar errado [risos]. Os riffs da guitarra tem bastante influência de metal também. Isso os diferencia um pouco do cenário underground de Malmö com um gama enorme de bandas crust e Raw não é?

"Total! Malmö é muito d-beat, crust e raw punk, porém tem uma cena hardcore bem forte aqui, e um pouco de grind também. Eu adoro o som do RDP e acaba que mesmo sem intenção surge alguma influência sim. Acaba que como o guitarrista é um amante do trash e o batera curte o punk mais tosco e clássico, a combinação disso tudo com meus vocais fica bastante crossover, apesar de eu nem gostar desse termo que tem uma conotação de banda de carreira com ambições comerciais. O fato de ter semelhanças com o Ratos, no entanto, não é intencional. A galera daqui incluiu a gente na cena de raw e crust e fica até engraçado por causa da diferença de som que a gente faz, Hahaha. Eu gosto muito de estar nesse meio por curtir muito esse som e essa galera. O Remiso acabou até ganhando um gênero próprio aqui que chamaram de Trashmangelhardcore".

Gostei, “Trashmangelhardcore” essa é nova [risos]! Sem querer fazer uma comparação, o que você poderia nos dizer sobre as diversidades do cenário underground sueco e brasileiro?

"Bom, os dois países tem muita tradição no punk. As bandas clássicas são incríveis nos dois países, porém tem raízes culturais e condições muito diferentes. No Brasil o acesso as coisas práticas pra fazer música em geral e muito mais limitado. Tudo é mais caro e as pessoas ganham menos. Há poucos recursos do Estado pra se aproveitar. Enquanto na Suécia, é o contrário, existe até incentivo por parte do Estado pra fazer música. Outra diferença é que a sociedade brasileira é muito mais violenta devido às próprias dificuldades pra sobreviver e divergências sociais, psíquicas e ideológicas dentro das cenas alternativas. As diferenças entre grupos na Suécia não se resolviam com violência na mesma proporção que se passava no Brasil nos anos de 1980 e 1990. Inclusive a violência hoje em dia na maioria das vezes aqui é vista como abominável, mesmo dentro do punk. Essas diferenças não fazem com que um cenário seja pior ou melhor que o outro, porém deixa claro que sociedades diferentes criam diferentes formas de resistência e sobrevivência. Criam punks diferentes. Seguramente a cena punk do Brasil já é totalmente outra hoje em dia. Já que faz quase 8 anos que não moro no Brasil, fica difícil pra mim fazer uma análise mais atual". 

São muitos grupos diferenciados como sempre foi, alguns ainda mais violentos e ganguistas, porém, acredito que a maioria é pacifista atualmente. A violência era mais real e disseminada no início do movimento, como você mesmo destacou.  Além da banda você está envolvido com outros projetos undergrounds? Comente um pouco sobre como é seu cotidiano. 

"Eu comeei a tocar em uma banda de grind que ainda nem tem nome, mas minha rotina as vezes é tão pesada fazendo faxina em escolas que larguei de mão. Dava muito trabalho pra acompanhar essa galera que toca demais Hahaha! Tinha o Alegria que era tipo um som meio indie meio crust ou sei lá o quê hahahaha. Fiz um pouco de noise com um amigo, tem uns projetos paralelos pra sair. Estou tentando comprar equipamentos pra um home estudio para gravar meus próprios projetos e bandas de responsa que não tenham condições de pagar, mas que eu possa contribuir pra sacarmos essa sonzera em materiais físicos e boa qualidade de mangel!!!"

No Brasil a maioria das bandas de grind são tosqueiras e são as mais fodas, na minha humilde opinião. Você sabe o quanto eu gosto de grind, porém essa cena nova de grind "bem tocado" e "gravado" não me agrada nem um pouco. Vocês têm alguma intenção de tocar no Brasil, projetos de tour?

"Estamos sempre falando no Brasil, mas fica pra oportunidade perfeita. Já que tem as condições econômicas. Precisa ser um esquema bem pensando, pois o preço das passagens arregaça. Também tem o tempo limitado, já que todos trampam e o guitarrista tem dois filhos bem pequenos, trabalho novo e dívida de financiamento [risos]. Sem esquecer a correria, afinal uma tour exige uma trampeira bem boa com os contatos e agendamentos. Talvez ainda role uma mini tour tipo Minas, São Paulo e Chile [risos]. Quem dera! Seria demais!! Por enquanto tá só no sonho".

Seria perfeito, vai rolar, vai ver [risos]. O que você pensa sobre a importância das vivências undergrounds D.I.Y. punk como afetação de si e do outro cotidianamente em termos revolucionários?

"Essa pergunta parece vinda de um trabalho acadêmico... [risos], pesada! Muito interessante! Só tenho que me esforçar aqui pra entender... Bom, como eu já fiz algumas observações até românticas em relação ao d.i.y. punk nas respostas anteriores, eu aqui já vejo essas vivências como um alimento. Elas reforçam o valor de uma identidade ideológica. Elas compartilham o sonho e a prática em momentos onde os indivíduos se desconectam da sociedade ordinária pra viver um sonho paralelo alternativo, cheio de liberdade e esperança. Isso acaba por preencher as pessoas com felicidades. Isso tem um poder revolucionário que nos torna cada vez mais livres, questionadores e confiantes. Até mesmo pra abandonar o underground, caso  esse mesmo deixe demasiadas falhas pra lhe representar. E em um âmbito mais externo, o revolucionário seria justo a criação desses espaços alternativos do punk d.i.y. que crescem por baixo da sociedade e que tem como função criticar e destruir seus valores (da sociedade). Uma rede internacional de contatos e espaços que oferecem uma vida paralela comum em qualquer lugar do mundo. O punk se torna aí quase que um povo. Eu penso que isso é muito importante principalmente pros valores que me fazem sentir bem!"

Lindo isso meu amigo [risos]. Punk is dead? 



Acho difícil de entender o que seria o punk em uma pergunta como essa. Mas pra mim não.


Welligton, mais uma vez muito obrigado pela entrevista e espero te ver o mais breve possível aqui no Brasil. Para finalizar, você ficou sabendo que um imenso meteoro vai cair no planeta terra e destruir tudo, diga os três últimos plays que você ouviria? 


"Atualmente seria O “First second” do Moth de Copenhague, “Barn av vår tid” do Nationalteatern da Suécia dos anos 70 e o O LP do URSUS da Galicia. Obrigado você meu brother pelo espaço e pela consideração! Um grande abraço e sorte nessa vida do caos e das correrias[risos]. Daqui a pouco e noise aí de novo acabando com nosso corpos vulneráveis!!! Vida longa ao OCUPA NOISE GUERRILHA."



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OBS: Imagens cedidas e autorizadas pelo entrevistado.

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