Edson Osso é um cara apaixonado por
barulho, tem 45 anos, é bastante ativo na dita cena noisecore. Participou e
participa de vários projetos ligados ao underground (metal, punk). Nos
encontramos pessoalmente pela primeira vez em São Thomé das Letras, não me recordo o ano, sei que
foi em uma noite fria na montanha, regado a muito cover do Raul e Júpiter Maçã (risos).
Posso dizer que foi desse encontro que surgiu uma das mais fortes amizades do underground.
Osso está aqui para dizer que nem só de bandas vive a cena independente.
Saudações grande Edson Osso, como
você anda meu amigo? Primeiramente gostaria de agradecer pela sua participação
no Ocupa Noise Guerrilha Zine e obrigado por dedicar seu precioso tempo para
responder essa entrevista.
Saudações barulhentas meu grande amigo Wescley, como vai? Prazer em participar dessa entrevista e poder contribuir.
Por favor, fale um pouco sobre a
sua trajetória no underground. Diga quando e como foi seu primeiro
contato com o punk/metal/noise.
Meu primeiro contato se deu no
início dos anos 80, com a vinda do Kiss pro Brasil em 1983. Isso
despertou meu interesse pelo Rock (eu não conhecia o termo Heavy Metal).
Também ouvindo no rádio do meu pai o que eu achava ser Rock, e o que fosse mais
vibrante. Com o Rock in Rio em 1985, aí sim, passei a querer ouvir mais e mais.
Nesse tempo assisti também reportagens na TV sobre Punks em São Paulo e
squats pelo mundo (acredite, no Fantástico risos...) não entendi muita coisa,
mas me chamou a atenção. Em 1986 mudei de bairro e foi o ano onde me
firmei de vez, principalmente através de álbuns de figurinhas. Também teve a
vinda do Venom para cá, conheci no mesmo ano Slayer e essas duas bandas me
guiaram, pois, o Heavy Metal já estava muito "fraco" para mim (risos).
Ainda passei por aquela fase onde Bangers e Punks não se bicavam, mas eu, vendo
as letras me identificava, pois também venho de uma família humilde,
pobre, da periferia e conhecendo um Punk do bairro ele me emprestou vários
discos. O ideal anarquista foi me conquistando. O início do movimento anarco-punk
foi de muita importância para mim, peguei muito folheto na Praça Ramos
distribuído por eles e os repassava. Aquela rixa que existia entre Punks x
Bangers não ocorria com os anarco-punks que eram bem mais politizados e
produtivos em relação a outros Punks que, infelizmente, eram envolvidos com
gangues, tretas e violência. Nesse período também, por volta de 1989 conheci
através de um programa de rádio o Napalm Death. Foi algo que me deixou de boca
aberta e entusiasmado, o "Scum" foi lançado aqui. Já conhecia o 7
Minutes of Nausea, Carcass, ExNxTx e O Grind/Noisecore já tinha minha
preferência. Ouvia muito Death e o início do Black Metal dos anos de 1980. As
primeiras bandas de Death Noise, tudo isso me influenciou e fui ficando mais
questionador, ou seja, radical.
Poderia simplesmente falar
"Noise core", mas veja bem, antes do termo tenho minhas próprias ideias
e visão de mundo, minha personalidade e meus questionamentos com o mesmo Noise
core, tudo é questionável e nada é perfeito, longe disso.
Para você, o noisecore teve suas
origens aliadas ao punk/hardcore ou ao metal extremo?
Origem com o punk/hardcore,
pois quando o mesmo foi se comercializando o noisecore veio como uma resposta,
um não a essa massificação. Mas ao mesmo tempo, muita gente que mais tarde foi
para o barulho e formou bandas e tudo mais, assumiram posturas, vieram do Death
Metal, mas também ouviam hardcore, eram bem mais extremos. Infelizmente esse
"extremismo" também trouxe muita coisa ruim para o meio, com ideias
totalmente absurdas. Mas enfim, o início teve disso e quem amadureceu está aí
até hoje, evoluíram. O passado ficou como um aprendizado, mas claro, muita
coisa boa rolou, apenas acho que muitos dos conceitos não cabem mais hoje. Prefiro
apresentar uma banda para uma pessoa nova, explicar toda a história do que
esconder e deixar mofando na gaveta. Minha identificação com o Noisecore
sempre vai ter como origem o Punk Hardcore que é sair do mundo da fantasia (que
muito o Metal trazia) e partir para algo prático e real, que além do som e
visual tem atitude.
Qual a importância do underground
noisecore para sua vida?
De grande importância, pois não é só som e
Barulho à toa, mas sim algo coerente e totalmente fora dos padrões. É criar,
ter ideias próprias, ter vida, fazer acontecer e ter propósitos, sempre em
solidariedade com os oprimidos, com nossa gente.
Qual seria sua reflexão sobre o
cenário barulhento que se desenvolveu fortemente nos anos de 1990 e a “cena”
atual? Em 1990 tivemos uma movimentação bem atuante de punks, noisecores,
bangers e libertários trabalhando igualmente em organizações de eventos,
produção de zines entre outras ações. Atualmente não vejo tais movimentações
com tanta potencialidade, e você?
Os anos de 1990 tiveram uma
importância essencial, marcaram o início de tudo, com muita coisa sendo feita,
tanto entre noisecores, bangers e punks. O que era mais legal, era essa junção
dos conscientes, deveria ter ficado assim, tudo se separou, pois, o outro lado
também foi ficando extremo e acabou que ideias avessas aos ideais de liberdade
e igualdade foram trazidas ao meio e também um excesso de radicalismo por se
achar superior só porque um ouvia Death e o outro noise. Mas hoje vejo que
muita gente massa tem resgatado esse período de união, o respeito é muito
importante. Nossos inimigos são aqueles que nos oprimem e não o cara que tem
poucos anos de cena ou que não viveu determinada época. Na atualidade vejo
muita coisa relacionada a "som", sendo que com a estrutura que
temos e as mentes envolvidas, penso que algo mais amplo deveria ser feito, sair
da teoria das letras das bandas que gostamos. Claro que é massa ter shows, pois
é daí que surgem novas ideias, além de ser um espaço de diversão sadia,
encontro com os amigos e pessoas novas.
O que você pensa sobre o
“radicalismo coerente” muito comum nos anos de 1990 e defendido por alguns
no cenário noisecore hoje?
Acho estranho quando falam
sobre "radicalismo coerente", pois infelizmente na atualidade as
pessoas querem se distanciar do termo "radicalismo", pois algumas que
o defendem acabam sendo tudo, menos radicais, algo beirado até ao fascismo se
formos analisar (lembre dos erros do passado na cena) e que em pleno 2019 se
repetem. Agora o radicalismo coerente, sem a necessidade das aspas (risos), sou
a favor, pois não podemos banalizar algo tão sério como o noisecore e o
associar com essas porcarias que infestam a cena como bandas homofóbicas, sexistas,
machistas com integrantes que abusam de mulheres (independente do som que se
escuta), nesse caso sou totalmente Radical.
O que você poderia nos trazer como
problematização em relação aos processos de resistências políticas
revolucionárias do underground punk/metal no interior de nossa sociedade? Você
acredita que o mesmo pode ser pensado como uma arma de guerra cotidiana contra
os microfascismos e o Estado autoritário?
Com certeza, política é algo
que faz parte de nossas vidas. Sim, temos nossos problemas, contas para pagar e
tudo, muitas vezes nosso tempo é curto para fazer o que gostamos, mas temos que
ter isso em mente, pelo menos apoiar as causas populares, seja em um texto ou
mesmo estando em atos, ainda mais nesse momento que vivemos, tentar fazer a
diferença, criar algo, sair dessa fantasia de anos 90 que "na época era
cartas, troca de fitas" e blablabla... e achar que só isso basta. Existem
tantas causas, coisas sendo organizadas por pessoas que nem imaginamos e que
acabamos não dando valor. Não podemos nos fechar num gueto, sou total a
favor da propaganda pela ação.
O noisecore, muitas vezes, por falta
de conhecimento do movimento é associado somente a um barulho sem sentido. Bem,
sabemos que não é por aí, porém, gostaria que você estendesse um pouco com
relação a isso, já que você está envolvido com o mesmo já faz um tempo.
Isso se deve a entrada de
pessoas que nada tem a ver com questões sérias, somente ligadas a som e porra
louquice. Geralmente elas têm uma vida confortável, então para que irão
protestar? Não simpatizo com essas bandas que brincam com assuntos sérios,
geralmente com a imagem da mulher, as tratando como objetos. Noisecore nasceu
da revolta para gritar por liberdade e manter o underground consciente
longe de $ capitalistas $, for fun$ e demais alienados, frustrados que não
possuem nada em suas mentes.
Noisecore: moda, diversão ou
estética da existência?
Protesto e nossa existência/resistência!!
Aproveitando, gostaria que você
citasse algumas bandas atuais de noisecore que merecem seu respeito.
Anarco Vomit Noise é uma
(risos).
Não conheço essa banda (risos). Web
zines, zines de papel, qual sua importância para o underground?
De grande importância, no caso
dos Web zines, podemos aproveitar a tecnologia a nosso favor, com rapidez e
disseminar nossas ideias, mas os zines impressos... (risos) esses eu amo, a
base do meu conhecimento vem dessa leitura tão linda, adoro ficar folheando um
no sofá, xerocar para um amigo, fazer troca, ler tantos pensamentos sobre
vários assuntos, leitura é algo fundamental. Cheguei a ajudar em algumas
edições do Visual Agression (zine do amigo Rikardo Chakal) e foi maravilhoso. Vida
longa aos zines e sempre que posso pego novos.
Fale um pouco sobre seus projetos
ligados ao underground.
Em 1997 concretizamos algo legal
que foi o Núcleo Anarco Noise (pessoal do Industrial Holocaust + NxAxTxSx), que
na época era a afirmação do noisecore como anarquista. Depois nos dispersamos,
mas continuamos a atuar, eu particularmente influenciado pelo anarco-punk e
todos seus coletivos. Nos anos 2000 fiz parte do mesmo, ajudando a organizar
sons, atos, panfletagens, colagens, sabotagens. Reorganizamos o M.A.P. aqui em
São Paulo e fizemos o encontro nacional, foi um tempo de tantas ações que não
caberia falar aqui (risos). Também teve a união do movimento punk, que era a
reunião de todos punks, não necessariamente anarcos. Organizávamos eventos e editávamos
um zine, muitos punks de outros estados e até de outros países quando vinham para
cá participavam das reuniões, eram rodas enormes com muita troca de ideias,
informações/materiais compartilhados e algumas tretas também (risos). O núcleo de informação Metal Punks foi outra experiência
(a banda Nuclear frost fez parte), era um trabalho com a galera do Metal, geralmente
eu no microfone falando algo, tive muito apoio, mas também muita gente que
torceu o nariz (risos). Era colar em algum som, levar o mural antifascista e
meter a bronca (risos). O Noise in your Head foi a necessidade de trazer o
interior para cá, as bandas que não tinham espaço, foram 3 eventos organizados
na Comunidade Cultural Quilombaque em Perus/SP, com bandas Noisecore, Hardcore
Punk, Anarco, Crust e Industrial Noise. Entrada com preço acessível, feito na
periferia e com debates sobre underground, DST/Aids, exposições e divulgação de
materiais. Era feito junto com os amigos Anderson Gordo, Rikardo Chakal e
Thomas. Visual Agression, como disse, ajudei a editar também com os Amigos
Rikardo Chakal e Thomas, é um zine que sou suspeito ao falar, pois amei fazer.
O São Caos ajudei em algumas edições, mas por escolhas pessoais não faço mais
parte. Fora outras ações que participei, distribuindo lanches para moradores de
rua, roupas e visitando asilos.
Como é sua vida cotidiana?
Como você sabe me casei, estou
muito feliz com o grande amor da minha vida. Trabalho durante a semana e também
para manter um extra vendo camisas pintadas a mão ou em silkscreen. Amo tomar
cerveja artesanal com minha esposa, comer bem, escutar som, assistir filmes,
pogar, bater cabeça, ficar zuando os amigos com pegadinhas e torcer para o
Santos Futebol clube. Já viajei muito com a Torcida Jovem por esse Brasil e até
para outro país, mas sou totalmente contra a violência entre torcidas, já fiz
trabalho de redução de danos na mesma.
Osso, não sei se você concorda
comigo, mas penso que a questão de gênero ainda é algo a ser problematizado e
superado no underground. Falo com relação a presença de mulheres no underground
extremo, seja tocando em bandas, promovendo eventos, lançando zines etc. Logicamente isso tem mudado bastante, sempre acompanho as publicações da página "União das mulheres do
underground – Brasil" e noto como isso está sendo superado, porém ainda é
preciso muito trabalho nesse sentido. Por exemplo, é quase nula a presença de
mulheres no noisecore. Quais suas reflexões sobre tais questões?
Infelizmente é nula, não sei se
por todo o barulho que é o noisecore, não é um som que, digamos, a pessoa vai
amar de cara. Ou pelo extremismo do passado que fez com que muita gente se
afastasse do meio, além das mulheres, não houve uma renovação. Sei de algumas
mulheres que gostam do som, ou tocam em bandas, não necessariamente de barulho,
mas sou apoiador de todas iniciativas, de todos os questionamentos, expor suas ideias
e buscar soluções. O mundo anda muito dividido.
Osso, novamente muito obrigado pela
participação e apoio sempre. Última pergunta, clichê do zine. Você ficou sabendo que um imenso
meteoro vai cair no planeta terra e destruir tudo, diga os três últimos plays
que você ouviria?
OBS: Todas as imagens foram cedidas e autorizadas pelo entrevistado. As falas foram mantidas na íntegra para não serem descaracterizadas.
Grande Osso!! Batalhador incansável do underground e grande santista (assim como eu). Já o encontrei nas arquibancadas da vida com a camisa da Jovem e o bottom do Venom...rs...cara de uma índole e caráter ímpar!
ResponderExcluirAhhhhhh Rogério ,que massa !!!! Nossas paixões . Obrigado pelas palavras.
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