"Anderson
Alves, mais conhecido como Gordo. O cara tem 35 anos e desde a sua adolescência
é apaixonado por barulho e busca de alguma forma expressar seus sentimentos e ideias
através do noise. Sujeito incansável, já participou de vários projetos D.I.Y. e
atualmente mantém ativo o fudido D.O.M (harsh noise), Insane Human Mind e
Insektoj (noisecore). Dentro das possibilidades, e com muitas dificuldades,
mantém os selos/distros "Fat/Zombie" e edita o zine em papel e xerox Alucinoise
com uma regularidade surpreendente. Também gosta de escrever poesias, insiste e
resiste em fazer algo de útil dentro do underground".
Saudações
amigo de longa data, Gordo! Cara, já trocamos muitas cartas não é meu velho?
Agradeço imensamente por aceitar participar desta entrevista e colaborar com as
discussões propostas pelo Ocupa Noise Guerrilha Zine. De cara já digo que o
D.O.M é muito foda [risos].
Gordo: "Poxa,
põe tempo nisso, muitas cartas sociais com selos de $0,01, várias fitas em
cartas sem registro, satisfação toda minha meu irmão, valeu mesmo, o A.V.N.
também me inspira muito".
Valeu
pelas palavras! Fico satisfeito em saber que o A.V.N te entusiasma de
alguma forma. Para começo de conversa, diga-nos como se deu seu primeiro
contato com o underground D.I.Y. punk/metal/noise?
Gordo: "Foi
no final dos anos 90, antes disso, não diferente de muita gente, ouvia as
rádios de rock convencionais. Depois que me mudei para Itapevi/SP tive uma
aproximação muito forte com o rap nacional que até hoje gosto bastante. Gravava
muitas fitas dos programas que ouvia, mas logo conheci meu grande amigo Rikardo
Chakal (Uniformes Negros T-shirts & Visual Agression Zine), foi ele o
responsável por me apresentar o barulho underground. Me emprestou toda sua
coleção de discos, onde pude conhecer o Rot, Carcass Grinder, Violent Headache,
Rattus, Terveet Kädet, Carcass, Napalm Death, Intestinal Disease, Necrose, etc,
e aquelas fitas de rap e rock se tornaram fitas de noisecore, grind e hardcore.
Ele me incentivou a iniciar os contatos com as bandas, colávamos juntos em
gigs, produzíamos zines. Montamos 3 projetos na época o Kaos Muerte Depression
(noisecore), Homo Detruo (grind core) e o Diskharte (raw punk/hc). Até hoje
mantemos uma irmandade sólida. Meu gosto anti-musical só piorou de lá para cá".
Grande
Rikardo Chakal, quero entrevistá-lo também [risos]. Fale um pouco sobre o D.O.M,
projeto barulhento na ativa já faz um bom tempo e com vários lançamentos, não
é?
Gordo: "O
D.O.M. teve início em 2000, e ficou ativo até 2008 onde esteve em um silêncio
mórbido por quatro anos. Em 2012 retornei as atividades e fiz a primeira
apresentação ao vivo no festival "Noise In Your Head" realizado no
Quilombaque em Perus/SP. Comecei a lançar alguns materiais que estavam gravados
a muito tempo, e que foram resgatados pelo meu velho amigo Rodrigo Romanim, que
havia digitalizado quase tudo que o D.O.M. tinha gravado. Então, são vários
materiais lançados durante estes anos e alguns que ainda estão por vir".
Muitos
materiais, sei que a discografia é extensa. Comente sobre o processo de
construção dos barulhos. O que mais te motiva no momento de criação?
Gordo: "As
inspirações são as mais variadas. Toda situação que estou vivendo (que em sua
grande maioria são situações bem
ruins, infelizmente). A forma que observo o mundo e as atrocidades cometidas
pelo ser humano que é o maior predador
da face da terra, e agora querendo conquistar outros planetas para também
explorá-los e destruí-los. O
barulho, de um modo geral é minha válvula de escape, com ele expresso todo
ódio, frustração, revolta, amargura, tristeza, chatice, monotonia, desgosto, preocupação que sinto. Tenho total liberdade para criar meus
barulhos, podendo ser noisecore, harsh, industrial, experimental, sludge, dance, ou até mesmo utilizar ruídos
alheios como já fiz. Outro fator que influencia bastante no processo de criação
são as ferramentas para a construção dos barulhos. Antigamente usava um radinho à pilha, e andava pela
cidade de Itapevi gravando tudo o que era ruído, depois utilizei um toca discos quebrado e vinis riscados. Também já convidei alguns amigos para fazer uma session noisecore com instrumentos. Já
usei batedeira, violão, pandeiro, liquidificador, copo, ventilador. Captei os ruídos
de máquinas das empresas que trabalhei. Ultimamente
tenho utilizado bastante programas de computador onde misturo sons
"artificias" e sons "orgânicos", ou só artificias mesmo,
foda-se!!! Não existe limites para se fazer barulho, não existe regras para se
fazer barulho, não existe padrões pré-estabelecidos para se fazer barulho!!!!!
Compreendo
o que você diz, porém, tenho minhas dúvidas em relação a tal liberdade, uma vez
que sempre existe a “polícia” do noise querendo ditar e impor regras no que se
refere a produção de barulhos. Bem, em uma das nossas conversas pelo face, você
chegou a comentar que antes você tinha uma certa crítica contra webzines,
lançamentos virtuais, todavia, hoje olha para tudo isso de outra maneira. Por favor,
discuta mais sobre tal mudança?
Gordo: "Já
fui bastante crítico com relação a este assunto sobre lançamentos virtuais, mas
observei que eu estava sendo contraditório saka?!?! Quando eu quero fazer uma
arte para um lançamento eu procuro na internet. Quando vou fazer um split
conheço e entro em contato com a banda/projeto pela internet, então porque ser
contra, porque criticar, sendo que eu também faço parte e tiro proveito deste
"mundo virtual", não é mesmo? E também hoje em dia, nessa fudida
situação de total falta de recursos que a grande maioria das pessoas tem
vivido, lançar um zine, um material sonoro pela internet é a solução mais viável.
Adoro meus materiais físicos, vou continuar lançando e adquirindo na medida do possível,
mas acredito ser totalmente válido lançamentos em qualquer formato, quem
vive o real underground, sempre vai ser underground, independente de
"mundinho virtual" ou "mundinho físico".
Sim,
concordo com suas colocações. Eu ainda tenho uma relação “física” muito forte
com o material que escuto, no entanto, estou me desprendendo aos poucos. Tem uma galera abusando na venda de cds, tapes e vinis (principalmente).
Acho que existe muita coisa interessante na internet, como a facilidade de
informação e fácil acesso a materiais, por exemplo. Penso que a questão é saber o que
vale a pena, ou não, para cada pessoa. Seguindo, fala sua: “barulho pela vida,
não só por hoje e não só por poser”. O que pode o underground D.I.Y
punk/metal/noise como revolução diária? Digo isso, pois tal fala remete muito a
uma questão de existência, penso.
Gordo: "Na
verdade esta fala é do Marcelo Batista (Extreme Noise Discos) ele escreveu isso
em um manifesto sobre grindcore nos anos 90, eu só adaptei a frase. Pode muito
eu diria, na minha vida o underground teve uma influência fundamental, não ser igual
as outras pessoas "normais", não compartilhar de ideias idiotas como
a maioria alienada, ter um senso crítico sobre questões relevantes, isso o
underground me proporcionou. Quando sofria preconceito por ser obeso, por ser
pobre, por ser da periferia, foi no underground que me senti acolhido e respeitado.
Infelizmente como em todas esferas sociais existem pessoas totalmente imbecis
e contraditórias que mudam de ideias extremas para merdas extremas, mas
acredito sim no underground d.i.y. como revolução diária e pessoal".
Sei
que a fala é do Marcelo, porém, se você a reproduz, de alguma forma é sua
também [risos]. Visual agression (não é o zine)?
Gordo: "Agredir
a moral, agredir o sistema, sempre é válido, não só agressão visual, mas também
agressão sonora e em alguns casos agressão
física, depende da situação".
Materiais
físicos ou downloads? Zines de papel ou webzines?
Gordo: "Todos
são válidos. Webzines e downloads estou tentando me adaptar".
Políticos
brasileiros?
Gordo: "Em
sua grande maioria exploradores, corruptos, mentirosos, parasitas. A população é vítima, mas ao mesmo tempo é
cúmplice, por não se informar, por não reivindicar seus direitos, por
aceitar cegamente o que a mídia capitalista e sensacionalista joga em suas mentes.
Morte?
Gordo: "Algum dia tod@s encontraremos com ela, sinceramente falando, não quero
encontrá-la muito tarde".
Punk
is dead?
Gordo: "Punk
capitalista, punk poser, punk faquinha que morra!!! Punk d.i.y., consciente,
ativista, resistência sempre!!!"
Fale um pouco sobre como é o seu cotidiano?
Gordo: "Estou desempregado, então, o tempo é bem ocioso. Procuro ajudar minha família
naquilo que posso, faço meus corres para arrumar uns trocados, ouço muito
barulho e ocupo o tempo tentando produzir o máximo que conseguir.
O
que você pensa sobre o dito “radicalismo coerente”, muito comum nos anos 90 no
cenário barulhento e que algumas pessoas envolvidas com o underground atual defendem?
Gordo:
"Radicalismo
coerente" é o radicalismo que tenta preservar a contracultura underground,
onde algumas posturas podem ser extremistas,
mas, que tem um ponto de vista sério e ideias realmente coerentes. Bem
diferente do "radicalismo separatista" que exclui as pessoas e nega o direito ao conhecimento utilizando
critérios para saber quem merece conhecer esta ou aquela banda. Quem merece adquirir este ou aquele
material, quem merece estar ou não em determinados eventos. Esse tipo de radicalismo é execrável e tem que ser combatido.
Terminado
nossa conversa por aqui, pergunta clichê do zine: você ficou sabendo que
um imenso meteoro vai cair no planeta terra e destruir tudo, diga os três
últimos plays que você ouviria?
Anderson
Gordo: Mano, eu não iria ouvir porra nenhuma, me esconderia debaixo da cama!!!!! Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...
Ótima resposta mano [risos].
Ouça aqui:
Obs: imagens cedidas e autorizadas pelo entrevistado.
As falas do entrevistado foram mantidas na íntegra para não serem descaracterizadas.