terça-feira, 7 de agosto de 2018

Entrevista com Cassiano da banda Industrial Holocaust







Saudações Cassiano! Como você anda meu amigo? Primeiramente gostaria de agradecer pela participação do Industrial Holocaust no Ocupa Noise Guerrilha Zine e obrigado por dedicar seu precioso tempo para responder essa entrevista.

Cassiano: "Saudações meu amigo! Por aqui tudo bem! Na luta diária de sempre! Eu que agradeço a oportunidade desta troca de ideias. Os Zines tem um papel fundamental no underground e sempre fizemos questão de apoiá-los".

Por favor, fale um pouco sobre a trajetória e as influências da banda. Quantos anos de resistência no underground brasileiro?

Cassiano: "Estamos na resistência desde 1989, na luta contra o sistema.  Começamos como Morbideath que seguia uma linha mais Deathnoise. Era eu guitarra, Riva bateria e Jamil baixo e vocal. No final de 1991 nós formamos o Industrial Holocaust, comigo na guitarra , Riva na bateria-vocal, Edu no baixo e Jamil nos vocais,  já fazendo um Noisecore. Esta é a formação que gravou o Split 7 ep com os irmãos do Noise. Nossa formação atual é Riva bateria-vocal, Sergião guitarra-vocal e eu baixo-vocal. Temos muitas influências, algumas são bem visíveis: Fear of God, Sound Pollution, 7M.O.N., Tumor, Discharge, Doom, Brigada do Ódio, Sore Throat, E.N.T. Olho Seco, Napalm Death(old) etc".

Só influência foda [risos]. Como foi seu primeiro contato com o underground punk/metal?

Cassiano: "Foi através de gigs, zines, correspondências e trocas de demo-tapes". 



Na sua opinião, o noisecore teve suas origens aliadas ao punk/hardcore ou ao metal extremo?

Cassiano: "Teve uma influência dos dois sem dúvida. Mas, com o tempo o Hardcore/punk se sobressaiu e isso é bem visível e auditivo. É só acompanhar a trajetória de várias bandas de barulho para sacar isso de forma explícita".

Concordo com você, acho que o noisecore foi atravessado pelo punk de uma forma bem diferenciada do metal e foi o punk que mais sobressaiu. Eu diria que o noisecore foi o que ficou e/ou restou do extremo do punk. Amigo, qual seria sua reflexão sobre o cenário barulhento que se desenvolveu, fortemente, nos anos 1990 e a cena atual? Nos anos noventa tivemos uma movimentação bem atuante de punks, noisecores, bangers, libertários trabalhando juntos em organizações de eventos, produções de zines entre outras ações.

Cassiano: "Ah era outro movimento, isso não há duvida meu amigo. Nos anos 90 existia uma preocupação real com a luta, contra o sistema e realmente havia um radicalismo consciente. Não queríamos parasitas no movimento. Não tínhamos preocupação com materiais como Lps, Cds ou camisetas (um ou outro cara tinha isso). A maioria tinha gravação em tapes e camisetas pintadas a mão. Tinha um real espirito anti-mercenários e anti-lucro. As bandas faziam questão de ser undergrounds. Não que hoje não exista real na cena, mas, a verdade é que hoje há muitos colecionadores de materiais e um proselitismo aliado a um egocentrismo doentio e junto um elitismo descarado onde não se tem nem mais vergonha de se assumir.  O que segura o movimento são os reais caras e bandas que acreditam nos antigos ideais. O bacana é que tem muito cara novo e bandas novas que praticam isso, pois ser velho na cena não quer dizer nada. O que não falta em qualquer cena é hipócrita disfarçado de sábio. Além do mais, só quem viveu a cena noisecore dos anos 90 sabe bem do que estou falando".

Sim, consumismo total, vinil então nem se fala, virou item de colecionador com preços exorbitantes. Não pagar e boicotar distros, penso ser uma forma de resistência fundamental. O que você pensa sobre o “radicalismo coerente” muito comum nos anos de 1990 e defendido por alguns no cenário noisecore hoje?

Cassiano: "Acredito num radicalismo consciente sim. Acho que ele é uma forma de lutar e manter muito do que acreditamos, mas isto não deve ser confundido com um elitismo muito comum nos dias de hoje e que não tem nada a ver com radicalismo. Acredito no radicalismo que não tolera fascistas e nem homofóbicos, que não permite misóginos e machistas, onde haja o combate ao sexismo e mercenários da cena, um radicalismo realmente consciente".

O que você poderia problematizar sobre os processos de resistências políticas revolucionárias do underground punk/metal no interior de nossa sociedade? Você acredita que o mesmo poderia ou pode ser pensado como uma arma de guerra cotidiana contra o microfascismo e o Estado autoritário?

Cassiano: "Sim, sem dúvida alguma pode ser usado quando colocado de forma a contrapor o sistema capitalista e de luta por igualitarismo. O underground punk\metal sempre foi subversivo e uma das primeiras coisas que vemos é na estética, ou seja, a primeira coisa que se nota é a roupa. Saindo do aspecto do visual encontramos várias práticas contrárias ao sistema como as gigs, os coletivos, os zines, a correspondência e hoje a internet também. Tudo isto citado são formas de lutas e resistências e se torna revolucionária quando há consciência de classe. Isso é tão real que estamos aqui sobrevivendo na cena, pois alguém antes de nós também estava na luta e depois de nós outros virão.  É claro que o movimento não acaba em si mesmo. Ele é uma fagulha contra o capitalismo, ele vai se inserir dentro de outros movimentos de luta por uma revolução e construção de uma sociedade sem classes. Sendo assim, ele é revolucionário se colocado na práxis do dia a dia, e é claro que para isso também temos que combater o crescente aumento de reacionários em todas as cenas, algo que por si só já é uma contradição, mais que infelizmente temos visto e muito isso nos dias atuais".

Alguns dias atrás estava lendo uma reportagem sobre cibercultura punk, na Revista Cult, e me deparei com uma fala de um professor, André Lemos, que me causou certo estranhamento. O mesmo afirmava que o punk não existe mais enquanto movimento. Qual sua reflexão sobre tal afirmativa? Gosto de pensar que a morte é uma estratégia de luta, de guerra do próprio punk contra os sucessivos jogos de capturas de diferentes forças, a exemplo da mídia, da indústria da moda, da cultura etc. Acho que ele não fez uma reflexão sobre o que escoou, escapou das origens do movimento nos anos 70, ele apenas olha para as representações, para as caricaturas do punk enquanto movimento.

Cassiano: "Sim, tudo se transforma e dentro desta dialética há sempre uma perspectiva diferente da anterior. Então, este determinismo não pode ser aplicado ao movimento Punk/Metal, já que muito de suas práticas e ideologias se mantém viva e sinceramente continuará assim por muito tempo. Sofrerá apenas estas inovações que é inerente a nossa vontade e característico de cada época".

Gostaria que você comentasse a respeito das seguintes frases: “você está nisto pela vida ou só por hoje?” “Você está nisto pela vida ou só por pose?” (frases presente no manifesto Grindcore escrito pelo Marcelo R. Batista da Extreme Noise Discos).

Cassiano: "Ah, é algo tão verdadeiro hoje, como quando foi escrita nos anos 90. A diferença como se pode observar, é que a cena é outra e tem quem viva isso de verdade sendo novo ou velho. Existe quem se acomodou na cena e vive apenas do passado. Independente de não ser aquele underground que vivemos, ele sempre existirá e terá pessoas que merecem apoio e incentivo".

Justamente, não acho que cair na nostalgia do retorno seja algo potente, existe muita coisa legal acontecendo. Bem, o noisecore, muitas vezes, por falta de conhecimento do movimento é associado somente a um "barulho sem sentido". Ora, sabemos que não é por aí, porém gostaria que você estendesse um pouco com relação a isso, já que você está envolvido com o mesmo já faz um bom tempo.

Cassiano: "Sim é verdade. Infelizmente no mundo a grande maioria esta associada a for fun e outras besteiras, mais há exceções. Mas o Noisecore no Brasil é uma cena a parte. É algo impar e é só vermos o comprometimento das bandas e de toda cena em geral para comprovarmos isso. Aqui sempre tivemos uma postura crítica e antissistema e a cena era politizada com muitas bandas anarquistas e niilistas.  Esta cena teve um impacto tão grande e se diferenciou de tal forma que até hoje são referências e influências para todos".

Moda, diversão ou estética da existência?

Cassiano: "No meu caso eu vivo o underground intensamente. Vivo o barulho e coloco isso no meu dia a dia. Não só na aparência, mas também na vida em si. Isso me influenciou de tal forma que transformou totalmente meu estilo de vida e meu modo de pensar".

Marx ou Bakunin? [risos].

Cassiano: "[Risos]. Os dois, pois ambos têm sua importância na luta anticapitalista". 




Web zines, zines de papel, qual sua importância para o underground?

Cassiano: "Sem dúvida todos os mecanismos de divulgação do underground são uma fonte de resistência e isso merece todo nosso apoio, principalmente nos dias de hoje onde tudo é tão descartável".

Além da banda você está envolvido com outros projetos ligados ao underground?

Cassiano: "Sim sempre participamos de atividades fora da banda. Já fizemos zine, éramos do núcleo Anarco-Noisecore, e atualmente somos do Coletivo Libertário de São Carlos que organiza o São Caos Fest".

Última pergunta, clichê do zine. Você ficou sabendo que um imenso meteoro vai cair no planeta terra e destruir tudo, diga os três últimos plays que você ouviria?

Cassiano: "Kkkkkkk pergunta difícil meu amigo! Vou colocar quatro (risos). Acho que:
Discharge -Hear nothing ,see nothing , say nothing
Voivod- Killing technology
Industrial Holocaust- The holocaust continues...
Sore Throat - Unhindered By Talent".




Ouça aqui:






OBS: Imagens cedidas e autorizadas pelo entrevistado.

5 comentários:

  1. Excelente entrevista !! ETERNO INDUSTRIAL HOLOCAUST !!

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  2. Muito boa a entrevista, tenho uma banda de Experimental Harsh Drone Noise, como faz para ser entrevistado? Aqui está o som da banda:

    https://mourningsouls.bandcamp.com/

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  3. PARABÉNS AO ENTREVISTADO E ENTREVISTADOR KKKKKKKKKK
    PERGUNTAR MUITO BOAS E RESPOSTAS IDEM, ABRAÇOS MEUS IRMÃOS!!!

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