segunda-feira, 27 de maio de 2019

Entrevista com Edson Osso


Edson Osso é um cara apaixonado por barulho, tem 45 anos, é bastante ativo na dita cena noisecore. Participou e participa de vários projetos ligados ao underground (metal, punk). Nos encontramos pessoalmente pela primeira vez em São Thomé das Letras, não me recordo o ano, sei que foi em uma noite fria na montanha, regado a muito cover do Raul e Júpiter Maçã (risos). Posso dizer que foi desse encontro que surgiu uma das mais fortes amizades do underground. Osso está aqui para dizer que nem só de bandas vive a cena independente.





Saudações grande Edson Osso, como você anda meu amigo? Primeiramente gostaria de agradecer pela sua participação no Ocupa Noise Guerrilha Zine e obrigado por dedicar seu precioso tempo para responder essa entrevista.

Saudações barulhentas meu grande amigo Wescley, como vai? Prazer em participar dessa entrevista e poder contribuir.


Por favor, fale um pouco sobre a sua trajetória no underground. Diga quando e como foi seu primeiro contato com o punk/metal/noise.

Meu primeiro contato se deu no início dos anos 80, com a vinda do Kiss pro Brasil em 1983. Isso despertou meu interesse pelo Rock (eu não conhecia o termo Heavy Metal). Também ouvindo no rádio do meu pai o que eu achava ser Rock, e o que fosse mais vibrante. Com o Rock in Rio em 1985, aí sim, passei a querer ouvir mais e mais. Nesse tempo assisti também reportagens na TV sobre Punks em São Paulo e squats pelo mundo (acredite, no Fantástico risos...) não entendi muita coisa, mas me chamou a atenção. Em 1986 mudei de bairro e foi o ano onde me firmei de vez, principalmente através de álbuns de figurinhas. Também teve a vinda do Venom para cá, conheci no mesmo ano Slayer e essas duas bandas me guiaram, pois, o Heavy Metal já estava muito "fraco" para mim (risos). Ainda passei por aquela fase onde Bangers e Punks não se bicavam, mas eu, vendo as letras me identificava, pois também venho de uma família humilde, pobre, da periferia e conhecendo um Punk do bairro ele me emprestou vários discos. O ideal anarquista foi me conquistando. O início do movimento anarco-punk foi de muita importância para mim, peguei muito folheto na Praça Ramos distribuído por eles e os repassava. Aquela rixa que existia entre Punks x Bangers não ocorria com os anarco-punks que eram bem mais politizados e produtivos em relação a outros Punks que, infelizmente, eram envolvidos com gangues, tretas e violência. Nesse período também, por volta de 1989 conheci através de um programa de rádio o Napalm Death. Foi algo que me deixou de boca aberta e entusiasmado, o "Scum" foi lançado aqui. Já conhecia o 7 Minutes of Nausea, Carcass, ExNxTx e O Grind/Noisecore já tinha minha preferência. Ouvia muito Death e o início do Black Metal dos anos de 1980. As primeiras bandas de Death Noise, tudo isso me influenciou e fui ficando mais questionador, ou seja, radical.

Refletindo um pouco sobre identidade, como você se definiria dentro do underground?


Poderia simplesmente falar "Noise core", mas veja bem, antes do termo tenho minhas próprias ideias e visão de mundo, minha personalidade e meus questionamentos com o mesmo Noise core, tudo é questionável e nada é perfeito, longe disso.

Para você, o noisecore teve suas origens aliadas ao punk/hardcore ou ao metal extremo?

Origem com o punk/hardcore, pois quando o mesmo foi se comercializando o noisecore veio como uma resposta, um não a essa massificação. Mas ao mesmo tempo, muita gente que mais tarde foi para o barulho e formou bandas e tudo mais, assumiram posturas, vieram do Death Metal, mas também ouviam hardcore, eram bem mais extremos. Infelizmente esse "extremismo" também trouxe muita coisa ruim para o meio, com ideias totalmente absurdas. Mas enfim, o início teve disso e quem amadureceu está aí até hoje, evoluíram. O passado ficou como um aprendizado, mas claro, muita coisa boa rolou, apenas acho que muitos dos conceitos não cabem mais hoje. Prefiro apresentar uma banda para uma pessoa nova, explicar toda a história do que esconder e deixar mofando na gaveta. Minha identificação com o Noisecore sempre vai ter como origem o Punk Hardcore que é sair do mundo da fantasia (que muito o Metal trazia) e partir para algo prático e real, que além do som e visual tem atitude.

Qual a importância do underground noisecore para sua vida? 




De grande importância, pois não é só som e Barulho à toa, mas sim algo coerente e totalmente fora dos padrões. É criar, ter ideias próprias, ter vida, fazer acontecer e ter propósitos, sempre em solidariedade com os oprimidos, com nossa gente.

Qual seria sua reflexão sobre o cenário barulhento que se desenvolveu fortemente nos anos de 1990 e a “cena” atual? Em 1990 tivemos uma movimentação bem atuante de punks, noisecores, bangers e libertários trabalhando igualmente em organizações de eventos, produção de zines entre outras ações. Atualmente não vejo tais movimentações com tanta potencialidade, e você?

Os anos de 1990 tiveram uma importância essencial, marcaram o início de tudo, com muita coisa sendo feita, tanto entre noisecores, bangers e punks. O que era mais legal, era essa junção dos conscientes, deveria ter ficado assim, tudo se separou, pois, o outro lado também foi ficando extremo e acabou que ideias avessas aos ideais de liberdade e igualdade foram trazidas ao meio e também um excesso de radicalismo por se achar superior só porque um ouvia Death e o outro noise. Mas hoje vejo que muita gente massa tem resgatado esse período de união, o respeito é muito importante. Nossos inimigos são aqueles que nos oprimem e não o cara que tem poucos anos de cena ou que não viveu determinada época. Na atualidade vejo muita coisa relacionada a "som", sendo que com a estrutura que temos e as mentes envolvidas, penso que algo mais amplo deveria ser feito, sair da teoria das letras das bandas que gostamos. Claro que é massa ter shows, pois é daí que surgem novas ideias, além de ser um espaço de diversão sadia, encontro com os amigos e pessoas novas.

O que você pensa sobre o “radicalismo coerente” muito comum nos anos de 1990 e defendido por alguns no cenário noisecore hoje?

Acho estranho quando falam sobre "radicalismo coerente", pois infelizmente na atualidade as pessoas querem se distanciar do termo "radicalismo", pois algumas que o defendem acabam sendo tudo, menos radicais, algo beirado até ao fascismo se formos analisar (lembre dos erros do passado na cena) e que em pleno 2019 se repetem. Agora o radicalismo coerente, sem a necessidade das aspas (risos), sou a favor, pois não podemos banalizar algo tão sério como o noisecore e o associar com essas porcarias que infestam a cena como bandas homofóbicas, sexistas, machistas com integrantes que abusam de mulheres (independente do som que se escuta), nesse caso sou totalmente Radical.

O que você poderia nos trazer como problematização em relação aos processos de resistências políticas revolucionárias do underground punk/metal no interior de nossa sociedade? Você acredita que o mesmo pode ser pensado como uma arma de guerra cotidiana contra os microfascismos e o Estado autoritário? 

Com certeza, política é algo que faz parte de nossas vidas. Sim, temos nossos problemas, contas para pagar e tudo, muitas vezes nosso tempo é curto para fazer o que gostamos, mas temos que ter isso em mente, pelo menos apoiar as causas populares, seja em um texto ou mesmo estando em atos, ainda mais nesse momento que vivemos, tentar fazer a diferença, criar algo, sair dessa fantasia de anos 90 que "na época era cartas, troca de fitas" e blablabla... e achar que só isso basta. Existem tantas causas, coisas sendo organizadas por pessoas que nem imaginamos e que acabamos não dando valor. Não podemos nos fechar num gueto, sou total a favor da propaganda pela ação.

O noisecore, muitas vezes, por falta de conhecimento do movimento é associado somente a um barulho sem sentido. Bem, sabemos que não é por aí, porém, gostaria que você estendesse um pouco com relação a isso, já que você está envolvido com o mesmo já faz um tempo. 

Isso se deve a entrada de pessoas que nada tem a ver com questões sérias, somente ligadas a som e porra louquice. Geralmente elas têm uma vida confortável, então para que irão protestar? Não simpatizo com essas bandas que brincam com assuntos sérios, geralmente com a imagem da mulher, as tratando como objetos. Noisecore nasceu da revolta para gritar por liberdade e manter o underground consciente longe de $ capitalistas $, for fun$ e demais alienados, frustrados que não possuem nada em suas mentes.

Noisecore: moda, diversão ou estética da existência? 

Protesto e nossa existência/resistência!!

Aproveitando, gostaria que você citasse algumas bandas atuais de noisecore que merecem seu respeito. 

Anarco Vomit Noise é uma (risos). 


Não conheço essa banda (risos). Web zines, zines de papel, qual sua importância para o underground? 

De grande importância, no caso dos Web zines, podemos aproveitar a tecnologia a nosso favor, com rapidez e disseminar nossas ideias, mas os zines impressos... (risos) esses eu amo, a base do meu conhecimento vem dessa leitura tão linda, adoro ficar folheando um no sofá, xerocar para um amigo, fazer troca, ler tantos pensamentos sobre vários assuntos, leitura é algo fundamental. Cheguei a ajudar em algumas edições do Visual Agression (zine do amigo Rikardo Chakal) e foi maravilhoso. Vida longa aos zines e sempre que posso pego novos.

Fale um pouco sobre seus projetos ligados ao underground.

Em 1997 concretizamos algo legal que foi o Núcleo Anarco Noise (pessoal do Industrial Holocaust + NxAxTxSx), que na época era a afirmação do noisecore como anarquista. Depois nos dispersamos, mas continuamos a atuar, eu particularmente influenciado pelo anarco-punk e todos seus coletivos. Nos anos 2000 fiz parte do mesmo, ajudando a organizar sons, atos, panfletagens, colagens, sabotagens. Reorganizamos o M.A.P. aqui em São Paulo e fizemos o encontro nacional, foi um tempo de tantas ações que não caberia falar aqui (risos). Também teve a união do movimento punk, que era a reunião de todos punks, não necessariamente anarcos. Organizávamos eventos e editávamos um zine, muitos punks de outros estados e até de outros países quando vinham para cá participavam das reuniões, eram rodas enormes com muita troca de ideias, informações/materiais compartilhados e algumas tretas também (risos). O núcleo de informação Metal Punks foi outra experiência (a banda Nuclear frost fez parte), era um trabalho com a galera do Metal, geralmente eu no microfone falando algo, tive muito apoio, mas também muita gente que torceu o nariz (risos). Era colar em algum som, levar o mural antifascista e meter a bronca (risos). O Noise in your Head foi a necessidade de trazer o interior para cá, as bandas que não tinham espaço, foram 3 eventos organizados na Comunidade Cultural Quilombaque em Perus/SP, com bandas Noisecore, Hardcore Punk, Anarco, Crust e Industrial Noise. Entrada com preço acessível, feito na periferia e com debates sobre underground, DST/Aids, exposições e divulgação de materiais. Era feito junto com os amigos Anderson Gordo, Rikardo Chakal e Thomas. Visual Agression, como disse, ajudei a editar também com os Amigos Rikardo Chakal e Thomas, é um zine que sou suspeito ao falar, pois amei fazer. O São Caos ajudei em algumas edições, mas por escolhas pessoais não faço mais parte. Fora outras ações que participei, distribuindo lanches para moradores de rua, roupas e visitando asilos.

Como é sua vida cotidiana?

Como você sabe me casei, estou muito feliz com o grande amor da minha vida. Trabalho durante a semana e também para manter um extra vendo camisas pintadas a mão ou em silkscreen. Amo tomar cerveja artesanal com minha esposa, comer bem, escutar som, assistir filmes, pogar, bater cabeça, ficar zuando os amigos com pegadinhas e torcer para o Santos Futebol clube. Já viajei muito com a Torcida Jovem por esse Brasil e até para outro país, mas sou totalmente contra a violência entre torcidas, já fiz trabalho de redução de danos na mesma. 

Osso, não sei se você concorda comigo, mas penso que a questão de gênero ainda é algo a ser problematizado e superado no underground. Falo com relação a presença de mulheres no underground extremo, seja tocando em bandas, promovendo eventos, lançando zines etc. Logicamente isso tem mudado bastante, sempre acompanho as publicações da página "União das mulheres do underground – Brasil" e noto como isso está sendo superado, porém ainda é preciso muito trabalho nesse sentido. Por exemplo, é quase nula a presença de mulheres no noisecore. Quais suas reflexões sobre tais questões?

Infelizmente é nula, não sei se por todo o barulho que é o noisecore, não é um som que, digamos, a pessoa vai amar de cara. Ou pelo extremismo do passado que fez com que muita gente se afastasse do meio, além das mulheres, não houve uma renovação. Sei de algumas mulheres que gostam do som, ou tocam em bandas, não necessariamente de barulho, mas sou apoiador de todas iniciativas, de todos os questionamentos, expor suas ideias e buscar soluções. O mundo anda muito dividido.

Osso, novamente muito obrigado pela participação e apoio sempre. Última pergunta, clichê do zine. Você ficou sabendo que um imenso meteoro vai cair no planeta terra e destruir tudo, diga os três últimos plays que você ouviria? 

Se estivermos em São Thomé não vamos ser atingidos (risos), portanto, vamos poder escutar muitos e muitos discos (risos). Mas caso não...... levaria Destrucktions "Complete Destrucktions", The Vikings are Coming..., Venom "Black Metal", e a demo tape do Massacre Anti Humano "Armas" pois amo fitas (risos).








OBS: Todas as imagens foram cedidas e autorizadas pelo entrevistado. As falas foram mantidas na íntegra para não serem descaracterizadas.